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CARTA ANOS NOVOS CONTADORES

Autores: Nilton Facci (professor universitário) e Gilmar Duarte (empresário contábil e escritor)

Trata-se da carta que gostaria de ter recebido ao iniciar o curso de Ciências Contábeis e que apresento aos que agora estão ingressando.

 

Essa carta foi baseada no texto: VIEIRA FILHO, Francisco de Sousa. Carta aos neófitosRevista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23n. 53616 mar. 2018. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/64561>. Acesso em: 9 mar. 2018.

 

Há muito tempo, desde quando ainda estava sentado nos bancos da Academia, exatamente como vocês agora, pensei em escrever um texto sobre tudo aquilo que gostaria que me tivessem dito ao ingressar no curso de Bacharel em Ciências Contábeis, ou como alguns ainda denominam, Contabilidade e – obviamente – é também tudo o que quero dizer a vocês que estão ingressando. Seja como for, é algo que deve e precisa ser lembrado e relembrado em todos as partes, semestres ou nas disciplinas existentes. 

Vamos lá. Já nas primeiras disciplinas, que temos que desconstruir certas ideias ao ingressar no curso. A primeira delas é a de que sairemos do curso sabendo tudo de Contabilidade. Ninguém vai sair do curso de Contabilidade aprendendo Contabilidade em todos os seus aspectos. De um lado, porque, diferente do ensino fundamental e do ensino médio, em que nos mostram todos os conhecimentos como prontos e acabados; e facilmente acessíveis –  a Contabilidade   é   um  saber inacabado, dinâmico, rico e vivo, a ser construído paulatinamente, não somente decorrente de mudanças nas normas contábeis, mas também em leis que abordam aspectos empresariais, tributários e previdenciários, que estão mudando constantemente.  

Mesmo que as normas contábeis e legislações citadas não mudam, é preciso perceber que outros entendimentos vão sendo construídos. De outro, porque é, senão mesmo impossível, ao menos muito pouco provável, que uma só pessoa, numa só existência, consiga apreender todo o corpo de normas, leis e entendimentos, não só em de suas modificações constante, como já dito, mas em face da abrangência de situações que cada norma busca compreender, assim como as dinâmicas nos ramos de atividades já existentes, e outros que surgem a todo momento.  Por outro lado, mesmo com mudanças nas normas contábeis, é preciso destacar que vários aspectos teóricos ainda são os mesmos desenvolvidos, inicialmente, nos anos de 1700, por parte de pesquisadores, principalmente, italianos.  

Neste sentido, um dos maiores mitos é afirmar que pesquisadores com título de doutores sabem tudo da Ciência Contábil.  Acreditem, eles não conhecem tudo. Com certeza conhecem vários aspectos, mas nunca tudo. Vivemos numa imensurável floresta empresarial que necessita do apoio da Ciência Contábil como forma de produzir comunicações com o mundo.  Assim como várias ciências, a Ciência Contábil nasce da necessidade em, primeiro compreender como determinadas relações comerciais estão se realizando. Assim, a Contabilidade não tem o objetivo de adivinhar como essas relações comerciais serão realizadas. É preciso a realidade existir, para existir a Contabilidade. 

Vejamos:  é sabido que a Contabilidade nasce dos fatos.  Isto quer dizer que, a realidade   é   sobremaneira   mais  rica, mais inovadora, incomensuravelmente mais surpreendente e mais ampla que a Contabilidade. A Contabilidade está sempre a correr atrás das situações patrimoniais e sociais novas na tentativa de compreendê-las, mas sempre fica para trás.  Um belo dia, por exemplo, surge a internet (ou outra novidade social, tecnológica, etc), e a Contabilidade se vê obrigada a compreender, mensurar, registrar, controlar, elaborar relatórios que buscam estar na mesma dinâmica desse novo contexto.

Nossas normas de dez, vinte, trinta, quarenta anos ou mais, mesmo com alguma subjetividade da norma (hábil a ser aplicada a toda a uma gama de casos singulares) e mesmo com toda a capacidade dos cientistas contábeis, eles não teriam (nem  têm) possibilidade qualquer de prever a engenhosidade inventiva da vida e do mundo social.  Assim, diria:  tudo o que uma faculdade ou curso de Contabilidade vai poder lhes ofertar é uma estrutura, arcabouço, um esqueleto que vocês terão o trabalho de preencher durante toda a vida e cujo corpo nunca estará completo.

E essa é a segunda ideia a ser desconstruída:  ilusão comum presente em quase todo o estudante iniciante na área, a de que irão se formar e aí finalmente vão parar de estudar. Ledo engano: talvez seja aí que comecem a estudar mais ainda! Portanto, abandonem isso desde já, pois uma vez escolhido o caminho da Contabilidade é ter escolhido o caminho de estudar por toda a vida. 

E estudar Contabilidade, é preciso dizer, é ter diante de si pelo menos três vias: uma é a do  estudo  para concursos,  com  resolução de  questões,  análise das  principais instituições  elaboradoras, o  aprendizado  de formas das provas,  o  enfoque nos assuntos  mais  cobrados, etc;  outra  é a  do  estudo para  a  prática da profissão contábil, voltado para compreender as formas de identificação do fato contábil, da mensuração, isto é, da expressão em moeda corrente do país, a redação dos relatórios formais definidos pelas normas e legislações específicas, e também de relatórios internos características a cada empresa. por último há o estudo para a vida acadêmica, focando doutrinas e teorias, nacionais e estrangeiras, voltado para as bases teóricas que fundamentaram a Contabilidade existente no mundo, rumando para especializações, mestrados e doutorados vida afora.  

Estou dizendo que vocês devam escolher apenas um desses caminhos?  Não mesmo. Mas que devem ter ciência  de   que   eles  existem   desde   já, para  que possam, mais   adiante, convenientemente melhor optar.  E o bom profissional consegue transitar entre eles, ou dois deles pelo menos: ter uma carreira acadêmica e profissional; estudar para concursos e procurar uma boa titulação que lhe garanta melhor colocação nos concursos; contador e ser professor; etc. 

Afora isso, é preciso repetirmos: nada é certo e preciso na Contabilidade, em tudo pairam divergências, tudo se discute, há vários entendimentos.  E  não  se pede que escolham uma, tampouco que sigam a cabeça do professor, mas que, em cada ramo ou área da Contabilidade, construam suas próprias concepções, optem pelas teorias que julguem as mais corretas e com as quais mais se afinem, e até que mesclem   doutrinas,   teorias  e   entendimentos   –  enfim,   que   criem  o   próprio caminho, é o desafio que lhes é feito, de já, ao iniciar. Não estamos no contexto das ciências exatas, nada aqui é certo, preciso, definitivo. Assim, não só por isso, mas por todo o contexto explicitado acima, é preciso nutrir uma noção de profunda humildade diante desse reconhecimento: aprendemos sempre que ensinamos e ensinamos sempre que aprendemos. Sigamos então. 

Cabe dizer ainda que a Contabilidade é una e que a divisão em matérias é meramente didática.  Quando estudarem registros/lançamentos contábeis, em Contabilidade Geral, ou Inicial, ou Básica por exemplo, vão ver que os conceitos que direcionam são os mesmos a serem observados em todo o curso.  Em  Contabilidade II, ou Intermediária, o  aluno estuda fatos que não foram apresentados, analisados e discutidos em Contabilidade Geral, mas é preciso ter a certeza de que sem a base apresentada em Contabilidade Geral, qualquer novidade será de difícil compreensão; em Contabilidade Avançada, vários aspectos específicos existentes em ramos de atividades diferentes daqueles vistos nas disciplinas anteriores; e em Contabilidade Específica, ou Tópicos Especiais em Contabilidade, ou mesmo em disciplinas que abordam aspectos específicos, é provável que os acadêmicos nem  sequer  se  dão  conta de  que  está estudando  a  mesmíssima matéria,  apenas com um enfoque diferente. 

Enfim, registros contábeis básicos, e aqueles que devem ser compreendidos conforme ramos específicos de atividades empresariais estão intimamente interligados.  Do mesmo modo, não se concebe o aluno gostar de Contabilidade Geral ou de Contabilidade de Custos, ou outra qualquer, e não gostar de disciplinas nas áreas da Administração, da Economia, da Matemática e de Pesquisa Científica, ou ainda de Sociologia. Falta essa visão de que as muitas contabilidades são na verdade uma unidade e que só as estudamos isoladamente para fins didáticos, as matérias em si sendo meras divisões facilitadoras do ensino e não divisões reais dentro de um ramo do saber. 

Caríssimos, cabe dizer ainda que o primeiro contato com a Contabilidade nos faz logo ver que há um abismo entre algumas das ideias que são apresentadas por parte da sociedade. Algumas pessoas veem a profissão contábil por meio de conversas com alguns empresários. Para alguns desses empresários, o Contador é aquele que resolve problemas com a prefeitura, com fiscais de tributos, que emite determinados documentos burocráticos, e até ajuda em situações de aposentadoria.

Nesse contexto, alguns parecem defender, por exemplo, ideias como a redução do tempo do curso, já que essas atividades podem ser aprendidas sem a necessidade de curso superior. Mas aí lhes pergunto:  para vocês, o que é realmente a Ciência Contábil?  Para qual finalidade ela realmente existe? 

Algumas das pessoas mais ricas do mundo já afirmaram que “a Contabilidade é a voz das empresas”. É preciso destacar também que quando a Contabilidade busca identificar, compreender, mensurar, controlar e demonstrar patrimônio, também são aqueles definidos como públicos, isto é, o patrimônio gerido por uma prefeitura, por algum Estado ou mesmo do Governo Federal. É por meio da Contabilidade que as empresas, ou organizações, buscam melhores formas de comunicações com a sociedade, com o mundo todo. Evidente que não é objetivo da Contabilidade resolver todos os problemas que possam existir nas empresas. Mas sem ela, as soluções são muito mais difíceis. 

Outro fator importante para o mundo empresarial é desenvolver formas para aumentar e melhorar a obtenção de lucros, já que nenhuma empresa é constituída sem que tenha por objetivo a obtenção de lucros. É por meio desse lucro que os empresários/investidores poderão aumentar seu patrimônio. Assim, mesmo não sendo esse o único objetivo da Contabilidade, sem ela nenhuma empresa, ou empresário/investidor, saberá se a empresa obteve lucros. E se não obteve, o que pode ter provocado essa situação. Também sem a Contabilidade qualquer proprietário de patrimônio não terá ótimas condições de saber como está seu patrimônio. Além de também não saberá como poderá efetuar relações comerciais que possam proteger e até aumentar esse patrimônio. 

É preciso destacar, novamente, que um dos objetivos da Contabilidade é desenvolver mecanismos que possam proteger o patrimônio, das várias formas que ele possa ser prejudicado. É com a existência do patrimônio e com as formas de relações comerciais, que esse mesmo patrimônio poderá aumentar. Com esse aumento, as empresas terão necessidades de aumentar a quantidade de pessoas que atuam em suas atividades, assim, a Contabilidade estará cumprindo mais um de seus objetivos, que é contribuir para que esse patrimônio alcance resultados sociais, proporcionando maior quantidade de empregos; retribuindo maiores quantidades de lucros para seus investidores; pagando maiores quantidades de impostos, o que permite ao Estado maiores condições para atender necessidades da sociedade. 

Por último, e para encerrar essa minha fala já demasiado longa, eu diria: se vocês dedicaram mais da metade do tempo necessário para concluir uma atividade, sigam com ela até o fim. Penso que já terá sido tempo demais dedicado a algo para se jogar fora. O curso de Contabilidade, mesmo sendo em quatro ou cinco anos, então, quem porventura pense em desistir do curso, bem, eu diria que tem até o segundo ou terceiro ano para fazê-lo. Após esse momento, creio, já não caberia mais. Já terá dedicado tempo demais a algo para poder desistir. No que eu aconselharia: conclua e depois siga outros caminhos. 

Creio   ter   dado  muitos   motivos   nas  linhas   acima   para continuarem no curso e recomendo mesmo a que todo cidadão curse Contabilidade, nem que seja para ter um diploma na parede, como se diz. O curso de Contabilidade me abriu horizontes, permitiu-me aprimorar a escrita, aproximou-me de várias outras ciências, fez meu pensar mais amplo, abriu um leque de profissões das quais pelos menos três eu abracei e me trouxe tantas boas coisas que nem consigo enumerá-las. Mas, como alguns já me procuraram na dúvida se o curso é sua real vocação, eu repito, faça, mesmo que não seja. 

A Contabilidade deveria ser obrigatória para a formação política do cidadão, deveria ser para todas as formações um saber prévio e necessário, porque essencial à vida em sociedade.  Os que usurpam e roubam nosso país, assim o fazem por nossa ignorância. Eles dominam pela ignorância.  É por não termos educação e desconhecermos nossos direitos que eles ganham espaço. A todos que ingressam nesse curso, lembrem-se sempre: sem Contabilidade não existe Cidadania. Sem Cidadania não existe Democracia. Sem Democracia não existe o bem comum. Portanto, sem Contabilidade, qualquer governo terá enormes dificuldades em atender, com as qualidades necessárias, as necessidades da sociedade. 

É contribuir com o atendimento dessas necessidades que é a grande responsabilidade da Contabilidade e das pessoas que a adotam como ação de vida e ação profissional. Para que possamos contribuir, é necessário que adotemos como princípio de vida, de profissão, as normas de éticas de cidadania e da ética profissional. Que todos possam aproveitar toda a amplitude dos conhecimentos proporcionados pela Ciência Contábil, e que sejam, já a partir desse momento, pessoas que sejam úteis à sociedade. 


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